Monday, August 05, 2013

O mundo pode esperar

Hoje sonhei que tinha ficado sozinho no mundo. E que de repente as lojas, as ruas, os estádios - mesmo em dias de jogos grandes - tinham ficado desertos. E assim, como sempre acontece, todos os semáforos ficaram intermitentes e os meus passos, que outrora foram mais uns no meio de tantos, ganharam um eco próprio de um homem que se prepara para dançar sevilhanas. Gostava pois que me imaginassem a descer a Avenida da Liberdade a ouvir unicamente os meus passos e a dança das folhas nos ramos das árvores. E olhar para tudo, como se a festa tivesse acabado e só restassem os copos espalhados pelo chão.

E perguntar-me: para onde terão ido todos? Porque raio me deixaram aqui sozinho? Ligo a televisão e não está ninguém a cantar, nem a dançar, nem a chorar por a vida ter sido madrasta. Ligo o rádio e nem uma música, nem uma voz a dizer as horas. Os jornais, um aglomerado de folhas em branco, sem títulos sensacionalistas e sem fotos que reconstituem crimes hediondos. Não se passava nada no mundo, como se de repente todos tivessem ido de férias e desligado os telemóveis. Tudo bem que ouço os meus passos a descer a Avenida da Liberdade - é muito agradável, muito prazeroso, sim - mas não ver uma saia curta o dia todo nem ver ninguém muito indignado a dizer que tudo isto é uma vergonha e que assim não pode ser faz- -me crer que nunca me adaptaria a uma ilha deserta. Assim, no meu sonho, também eu acabei por abandonar o mundo e ir ao vosso encontro.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotogradia de Claudine Doury]

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